quarta-feira, 2 de julho de 2008

A espera e as unhas


Currículos se espalham pela rede na velocidade da luz. Ao final do dia você nem sabe para quem o mandou. Dias de espera, roendo as unhas e comendo chocolate, como todo ser humano. Enfim, aquela amiga que nem sabia da sua infindável busca por uma ocupação minimamente rentável, te liga. Oportunidade à vista, é marcada a entrevista!
Entrevistas são estranhas. Uma simples conversa com alguém pode te deixar sem dormir. Você tem uma folha de papel para resumir tudo o que você já fez de útil (ou pelo menos considera útil) na sua vida.
Enquanto esperava o ponteiro do relógio marcar três horas, fiquei olhando meu currículo. Meu nome em letras grandes. Os conhecimentos que tenho ali listados. Os lugares onde trabalhei, os trabalhos que fiz. Senti como se olhasse para uma bula de remédio, que não me informava quais eram os efeitos colaterais de ser eu mesma.
Cheguei um pouco mais cedo do que o esperado. Fiquei com medo de me perder. E agora estou aqui, perdida nos meus pensamentos enquanto espero "O Entrevistador". Como será que ele é? Educado ou rabugento? Alto ou baixo? Divertido ou sério? Falante ou retraído? A idéia de ter que lidar com alguém que você nem imagina quem seja, e que também não faz idéia de quem você é, me assusta um pouco.
Enfim, três horas. A recepcionista me oferece um café. Eu recuso. Uma água? Recuso também. Olho para as minhas mãos; nada de unhas. Somente aqueles dedos feios que embebem o currículo de suor. Coloco o currículo de volta na pasta. Ajeito o cabelo e os brincos, que não se cansam de entrar na gola alta da minha blusa. Rosa. Será muito infantil vir a uma entrevista de preto e rosa? Acho que estou ficando paranóica...
Uma sombra surge no corredor. "O Entrevistador"? Sim, é ele. Conduz-me a uma sala e conversa comigo por meia hora. Faz perguntas sobre cada linha do meu currículo, cada linha da minha vida. Eu respondo pesando cada palavra antes de deixar que ela escorregue da minha boca. Acho que estou falando pouco. E saio da sala achando que falei demais.
Recebo a notícia de que terei uma resposta na semana que vem. Vou para casa, metrô lotado. Chego, desço do salto e da pose de "contrate-me". Visto o moletom. Descanso o corpo e a mente, e os preparo para a ansiedade que está por vir. Mais uma vez olho para as mãos. Nada de unhas.

3 comentários:

Menina do Rio disse...

Não roa mais as unhas, querida! O que tiver que ser seu, será...

Um beijinho

Liz / Falando de tudo! disse...

ah, adorei sua cronica...e como a ansiedade pode deteriorar nosso sistema nervosos, até às unhas; literalmente!
Bom final de semana,
Liz

Artsy-Fartsy disse...

Gostei muito do seu jeito de contar o "causo"! Deve ter sido real, não? As palavras que não devem escorregar pala boca, a unicofagia, os dedos que molham o papel. Legal você conseguir sair de si, analisar-se e "retratar-se" naquele momento. Foi bom ter vindo aqui. Abração!