domingo, 27 de setembro de 2009

Da banca, com amor

Quando cheguei à banca de jornal na esquina das ruas Sabará e Maranhão, dona Cida folheava uma revista de noivas. Via os vestidos luxuosos sonhando com sua filha mais velha. “Ela é magrinha como você, ia ficar lindo…ah, esse não, não gosto desses vestidos que deixam a pessoa parecendo um bolo!”, comenta virando as páginas da revista que acabou de chegar. Essa e muitas outras, que agora dona Cida precisa arrumar espaço – e tempo – para arrumar.

Não existe uma hora do dia em que a banca é mais movimentada. A todo momento chegam senhoras, senhores, crianças ávidas por mais figurinhas para sua coleção. “Tia, quanto custa?”. ”Um e cinquenta, mô”. Ela chama todos de “mô”.

Eu virei “mô” em pouco mais de vinte minutos. A ex-professora diz que não lembra de cenas diferentes ou engraçadas vividas desde que abriu a banca de jornal; para ela cada dia é especial. E aquele dia seria especial por ela ter tido a minha companhia. Muito carinhosa, sempre olha nos meus olhos. Diz que é para não esquecer, para me reconhecer quando eu for jornalista. “Ah mô, vendi as duas revistas Imprensa. Pra você seria ótimo, tem que estar atualizada do que acontece no seu ramo”. Foi muito bom ser parte desse grupo de amores de dona Cida.

Ela fica triste por não serem as revistas seu principal produto de venda. Acredita que maior pobreza não está no que você come ou veste, mas na cabeça das pessoas, e revista é informação. De fato, em quase duas horas na banca, somente uma pessoa comprou revista. Porque havia uma foto de sua amiga. Normalmente as pessoas compram talões de zona azul, maços de cigarro e itens colecionáveis. “Uma vez sobraram algumas dessas revistas de coleção e eu peguei pra mim. Adoro miniaturas”, diz dona Cida enquanto arruma espaço para colocar novas coleções.

As pessoas passam e dão bom dia. Há clientes que simplesmente não pedem mais; entregam o dinheiro a dona Cida pois ela já sabe o que eles querem. Uma moça vem buscar mais um volume de sua coleção, a outra, com sua cachorra saltitante, vem pegar O Estado de São Paulo. Está sem trocado, tem uma nota de cinquenta reais. “Vai na padaria mô, depois você volta e me paga”, diz tranquilamente. O rapaz vem saber se chegaram os cartões de recarga de celular, e recebe a terceira negativa de dona Cida da semana.

Chega também dona Francisca, que vem buscar as revistas da patroa. “Ela foi para o Canadá, graças a Deus”, fala dando risada com dona Cida. “Ah, já que eu não emagreço, vou levar uns doces”. E dona Cida separa doces de abóbora. Fico com água na boca. “Ah mô, não compra hoje não. Compra quando estiverem fresquinhos. Esses estão aí a quase uma semana”, me fala depois que dona Francisca já foi comer doces na casa vazia.

Acordar cinco e meia da manhã e vir de Artur Alvim, na zona leste, para Higienópolis abrir a banca é um trabalho bastante cansativo. Porém dona Cida não se importa, gosta muito do que faz e das pessoas que conhece. Tanto que faz essa pequena viagem entre bairros há quase vinte anos. “Tem jornaleiro que trabalha e mora por aqui. Eu não, e nem queria. Não me identifico com o bairro. Aqui não basta ter poder aquisitivo, tem que se sentir rico também”, comenta. E rimos juntas.

Um comentário:

Klatuu o embuçado disse...

Belo relato, quase vi as casas e as pessoas por aí...